Sacudindo a poeira: o que está por trás das mudanças no British Museum 56275t
Ela é exemplo da onda de renovação de museus mundo afora — e o que eram iniciativas pontuais agora é permanente 74s40

Um dos mais irados museus do mundo, o British Museum, depositário de preciosidades que contam a história das civilizações, anda debruçado sobre a necessidade de se manter atual e atraente em tempos muito distintos de quando despontou na paisagem londrina, em 1753. Em dezembro ado, durante o elegante jantar anual, o presidente da instituição, George Osborne, ou a mensagem: “Não somos armazém nem mausoléu”, disse, enfatizando a urgência de renovação, diante da sucessão de enroscos com os quais precisa lidar hoje. Há disputas em torno dos mármores do Partenon e de relíquias africanas — amealhados numa época em que a Inglaterra dava as cartas, agora reivindicados pelos países de origem, e que de algum modo mancham a imagem da casa. Segue, também, a novela para recuperar a metade das 1 500 peças surrupiadas do acervo por um ex-funcionário, que as vendeu no eBay. Em meio a isso, a luta maior — comum a outros extraordinários centros que irradiam história e cultura planeta afora — é para elevar os níveis de visitação, que nunca retornaram aos patamares pré-pandemia.
Foi nesse agitado contexto que entrou em cena o historiador da arte Nicholas Cullinan, 47 anos, recém-nomeado diretor do British Museum, para dar aquela sacudida. “Vou liderar a maior transformação já vista em qualquer museu do mundo”, afirmou, cheio de ambição, o mais jovem a ocupar tão vistoso posto, deixado vago dois anos atrás após a renúncia do antecessor, desgastado pelo escandaloso roubo de 2023. A aposta em Cullinan tem a ver com a exitosa década que ou à frente da prestigiada National Portrait Gallery, período em que se destacou por renovar a coleção, tocar uma reforma e costurar colaborações internacionais que resultaram em aquisições de peso — entre as quais Retrato de Omai, do inglês Joshua Reynolds, um dos principais retratistas do século XVIII.
Sem medo de controvérsias, o novo diretor reforçou a equipe para tentar reaver os tesouros subtraídos do acervo e pretende avançar de forma criteriosa em uma discussão oportuna nos dias de hoje: a repatriação de objetos obtidos no período colonial, em especial as fabulosas esculturas do Partenon. Seria como um acerto de contas com o ado, debate complexo em que estão envoltos outros museus europeus e dos Estados Unidos. “Parto da ideia de que tudo é possível”, disse Cullinan. Embora se mostre aberto às reclamações, ele é cauteloso a respeito de quais seriam os próximos os nessa direção.
Em outra frente de trabalho, a exemplo de seus pares, ele começou a agir para tentar despertar a atenção das novas gerações grudadas em smartphones e que nunca cultivaram o hábito de visitar museus. Daí o plano para uma expansão digital com a ideia de dar o mais interativo aos 8 milhões de itens da coleção. Na mesma toada, outros reputados museus na Europa e nos EUA vinham promovendo experiências pontuais de modernidade. Agora, em movimento decisivo, as transformações são permanentes, é tê-las ou sair do jogo. O MoMA de Nova York ou a oferecer um mergulho em obras-primas de mestres como Cézanne e Van Gogh — tour que consiste em um circuito virtual animado por papos ao vivo com curadores e artistas. “Ferramentas assim são vitais para capturar a atenção do público”, diz Felipe Martinez, historiador na Universidade de Amsterdã.

A arquitetura dos museus também vem sendo pensada para fazer das visitas algo menos maçante. Em fevereiro, a libanesa Lina Ghotmeh foi escolhida para remodelar o prédio neoclássico do British, abrangendo as zonas onde estão alojadas as concorridas peças gregas, romanas e do Egito Antigo. O objetivo é criar novos espaços para exposição e permitir desse modo que as obras sejam dispostas de forma arejada, sem estar coladas uma à outra.
Ir ao museu, enfim, pode ser eio mais interativo — filosofia na qual também embarcou o Centro Georges Pompidou, o Beaubourg, em Paris. Em setembro, a instituição da fachada de tubos coloridos, saída das pranchetas de Renzo Piano, fechará as portas para uma recauchutada que vai até 2030. A “metamorfose”, como é chamada a reforma, erguerá salas de cinema e galerias no enorme estacionamento subterrâneo e um deque panorâmico, mesclando áreas de pesquisa, convivência e exibição. Como é mandatório fazer brilhar os olhos da garotada, será instalado por lá um Centro da Nova Geração, para incentivar a criatividade e o gosto por museus.
O sacolejo é impositivo diante dos números mais minguados nas bilheterias desses templos da cultura. Dentre os 100 maiores, a frequência caiu 20% nos anos de pandemia e estagnou. Dono das maiores filas, mesmo o Louvre, em Paris, registra 9% menos pagantes. Neste cenário, a direção, que já anunciou uma ala nova para exibir a Mona Lisa, resolveu apostar em uma exposição de temática pop, Louvre Couture, que põe objetos desde a Antiguidade lado a lado com exemplares da alta-costura que tomaram deles inspiração. “Se quiserem se manter vivos, os museus precisam se conectar com a sociedade”, afirma Federica Carlotto, professora do Sotheby’s Institute of Art.
O filtro da diversidade, louvável retrato de nosso tempo, também pode ser vastamente observado museus afora nestes tempos de remodelação. O Reina Sofía, que tem como carro-chefe a Guernica, de Picasso, expandiu recentemente sua coleção com 470 novos itens, dos quais 56% são assinados por mulheres e vários outros por artistas não europeus, como o indígena brasileiro Denilson Baniwa. “O mundo em que vivemos exige que novas histórias da arte sejam contadas”, diz Manuel Segade, o diretor da instituição madrilenha. São esforços fundamentais, dos quais os museus, um belo advento da civilização do século XVIII, dependem para não virar, eles próprios, peças de museu.
Publicado em VEJA de 25 de abril de 2025, edição nº 2941