Governo não entende as regras da política
O erro do Executivo não está apenas no conteúdo da medida, mas no método

O terceiro mandato do presidente Lula continua tropeçando em uma realidade política que se tornou inescapável desde o impeachment de Dilma Rousseff: em Brasília, decisões de grande impacto não são mais exclusividade do Poder Executivo. Elas precisam ser negociadas, articuladas e, sobretudo, compartilhadas com o Congresso Nacional antes de sua implementação. Ignorar essa regra tácita — hoje quase uma cláusula pétrea do presidencialismo de coalizão — custa caro em capital político e gera reações imediatas do Parlamento.
O episódio mais recente dessa desconexão entre o Planalto e o Congresso ocorreu com a alteração das regras do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) por decreto presidencial, sem qualquer articulação prévia com o Senado ou a Câmara. A medida provocou uma reação dura e pública do senador Davi Alcolumbre (União-AP), ex-presidente da Casa e uma das figuras mais influentes nos bastidores do Legislativo. Em pronunciamento incisivo na sessão plenária de quarta-feira, Alcolumbre não poupou palavras ao classificar a decisão do governo como uma tentativa de “usurpar as atribuições legislativas” do Congresso.
“Que este exemplo do IOF, dado pelo governo federal, seja o último daquelas decisões tomadas tentando, de certo modo, usurpar as atribuições legislativas do Poder Legislativo”, afirmou o senador. A fala, embora pontual, ecoa um mal-estar mais amplo dentro do Parlamento: a percepção de que o governo insiste em adotar uma lógica verticalizada de decisão, incompatível com a atual distribuição de poder institucional.
Desde 2016, qualquer governo que pretenda sobreviver — e, mais do que isso, governar de fato — precisa reconhecer a centralidade do Congresso como locus do poder deliberativo. Os presidentes da Câmara e do Senado deixaram de ser meros coadjuvantes da cena política nacional: são hoje peças-chave da governabilidade, controlam pautas, liberam ou travam agendas e podem, como já demonstraram, conduzir ou obstruir o destino de um governo.
Ao insistir em decisões unilaterais, o governo Lula 3 arrisca desperdiçar as pontes frágeis que ainda tenta reconstruir com a base parlamentar. A reação de Alcolumbre, embora dirigida a um ato específico, é sintoma de um desconforto mais amplo entre os líderes congressuais. Eles cobram respeito institucional, protagonismo deliberativo e, acima de tudo, participação no processo decisório.
O erro do Executivo não está apenas no conteúdo da medida, mas no método. Em tempos de presidencialismo de coalizão consolidado e Congresso hiperfragmentado, a forma é tão ou mais importante que o mérito. Nesse tabuleiro, ignorar as regras do jogo político de Brasília é garantia de desgaste — e, possivelmente, de derrota.