
Vivemos um tempo paradoxal. Nunca tivemos tanto o ao conhecimento e, ao mesmo tempo, nunca estivemos tão expostos à desinformação, ao ruído e à superficialidade. Em plena era da inteligência artificial, assistimos ao colapso do pensamento crítico. O psicólogo social Jonathan Haidt, da Universidade de Nova York, alertou: “A humanidade está ficando mais estúpida exatamente no momento em que nossas máquinas estão ficando mais inteligentes que nós”. Essa constatação resume o espírito de uma era marcada pela derrocada do ecossistema do pensamento, agravada pela onipresença de smartphones e redes sociais. O que deveria ser ferramenta de ampliação da inteligência humana tornou-se, para uma imensa maioria, instrumento de sua atrofia. Umberto Eco alertou que as redes deram voz a uma legião de imbecis. A democratização da palavra sem educação e responsabilidade produziu uma avalanche de ignorância orgulhosa. Opiniões descabidas, antes perdidas num balcão de bar, hoje viralizam, moldam eleições, destroem reputações e corroem a autoridade do saber.
A crise da mediação atingiu em cheio a autoridade epistêmica: cientistas, professores e jornalistas aram a disputar espaço, em condições de igualdade ilusória, com influencers, conspiracionistas e perfis anônimos. A verdade ou a valer tanto quanto a mentira — desde que ambas tenham os mesmos likes. No Brasil, o cenário é ainda mais grave. Segundo o Indicador de Alfabetismo Funcional, mais de 30% da população é incapaz de compreender conceitos e argumentos complexos. Esse povo é bombardeado por conteúdos enganosos, contraditórios ou falsos, sem dispor de preparo para distinguir o real da manipulação. Educar nossos filhos será cada vez mais desafiador em um ambiente de inundação de informações inverídicas e manipuladoras.
“Opiniões descabidas viralizam, moldam eleições, destroem reputações e corroem a autoridade do saber”
A desigualdade hoje é também cognitiva. Uma elite capacitada interpreta, filtra e se protege. Já a maioria é arrastada pelo fluxo caótico da desinformação. A economia da atenção se converteu em indústria bilionária que transforma dados das massas em lucro para poucos, criando um ecossistema predatório onde somos simultaneamente consumidores e produto. Vivemos a era do colonialismo digital, em que gigantes tecnológicos extraem nossa atenção, comportamentos e desejos como novo recurso primário. Nessa estrutura de poder assimétrica, quem controla os algoritmos e a tecnologia determina não apenas o que consumimos, mas como pensamos, sentimos e interagimos, perpetuando dependências sistêmicas sob o disfarce da conectividade gratuita e da conveniência.
“A era da estupidez” não é somente um título provocativo: é um diagnóstico preocupante. Sintomas não faltam — das fake news à rejeição da ciência, do imediatismo na vida pública ao descrédito das instituições. E não será a tecnologia, por si só, que nos salvará. Sem base humanista, ela apenas amplifica nossas falhas. Enfrentar o desafio exige educação crítica, letramento digital, ética na comunicação, valorização do pensamento elaborado e, sobretudo, recuperar o tempo longo do argumento bem construído, da escuta verdadeira, da responsabilidade cívica. Pensar, hoje, é — mais do que nunca — um ato político necessário. Porque, se não pensarmos e agirmos, seremos pensados — por máquinas, algoritmos ou oportunistas produzidos pela estupidez.
Publicado em VEJA de 23 de maio de 2025, edição nº 2945