Comissão Interamericana vai julgar caso de jornalista condenado no Brasil 5z5w2a
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A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) decidiu itir a denúncia apresentada por entidades representativas do jornalismo brasileiro contra o Estado por causa da condenação judicial imposta ao jornalista Rubens Valente, um dos mais relevantes do país. A petição foi itida em março deste ano e, agora, segue para julgamento do mérito, podendo resultar em uma decisão internacional de referência para a liberdade de imprensa no continente.
Segundo o relatório oficial da Comissão, Valente foi condenado “a pagar uma indenização ao ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, após publicar um livro criticando sua atuação num caso sobre corrupção”. O texto lembra que: “o Judiciário também teria determinado a inclusão da condenação em edições futuras do livro”. Clique aqui para ler a íntegra da decisão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
A CIDH considera que a exigência pode ser “desnecessária e desproporcional”, com potencial de inviabilizar novas edições da obra. O relatório também aponta o “efeito de autocensura” gerado pelo processo judicial e os impactos financeiros, profissionais e emocionais sofridos por Valente.
De fato, o jornalista foi condenado pela Justiça brasileira por trechos do livro Operação Banqueiro, resultado de mais de três anos de apuração sobre episódios relacionados à Operação Satiagraha. A obra, conforme compreende a própria Comissão, “reportaria assuntos de interesse público”, fruto de investigação jornalística “diligente”, com questionamentos legítimos à atuação de autoridades públicas.
A condenação civil impôs a Rubens Valente o pagamento de uma indenização e a obrigação de publicar, em futuras edições do livro, o inteiro teor da petição inicial e da sentença — o que, na prática, inviabiliza e censura a republicação da obra. A decisão foi contestada nas instâncias superiores, sem reversão.
A Comissão Interamericana reforça que não se trata de reavaliar provas ou fatos já julgados, mas de verificar “se as atuações dos órgãos judiciais constituem ou não uma violação das obrigações internacionais do Estado”. E acrescenta: “o fato de uma decisão sobre restrições à liberdade de expressão ter sido adotada por órgãos judiciais internos não a caracteriza, necessariamente, como uma decisão conforme os parâmetros interamericanos”.
Rubens Valente é um dos jornalistas investigativos mais respeitados do país. Com mais de 30 anos de carreira, é autor de reportagens e de livros reconhecidos por entidades de direitos humanos. Em “Os fuzis e as flechas”, publicado pela Companhia das Letras, ele reconstruiu com documentos inéditos episódios de violência contra os povos indígenas durante a ditadura militar. Já em Operação Banqueiro, o jornalista narrou a atuação de autoridades do sistema de Justiça em episódios de grande repercussão política e econômica.
Para cumprir parte da condenação que sofreu, Valente contou com a solidariedade de mais de 2.600 leitores e apoiadores, que arrecadaram R$ 301 mil por meio de uma campanha de financiamento coletivo — do total de R$ 319 mil pagos à parte autora da ação.
A denúncia foi formalizada na CIDH por um consórcio formado pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), pela organização britânica Media Defence, pela entidade internacional Robert F. Kennedy Human Rights e pelo advogado Cesar Klouri.