‘Suprimir Iemanjá é um apagamento’, diz presidente do Idafro 513h3i
A VEJA, advogado Hédio Silva Jr. cobrou que Judiciário dê às religiões de matriz africana o mesmo cuidado que dá aos símbolos cristãos 4c6s6y

A troca que a cantora de axé Claudia Leitte fez na música “Caranguejo”, tirando o nome de Iemanjá e colocando o de Yeshua (Jesus em hebraico), para alinhar a interpretação à sua fé evangélica, colocou a artista sob a mira do Ministério Público baiano. A movimentação aconteceu devido a denúncias feitas pelo Idafro, o Instituto de Defesa das Religiões Afro-brasileiras, presidido pelo advogado Hédio Silva Junior, que é doutor em Direito e já foi secretário de Justiça de São Paulo.
Em entrevista a VEJA, ele afirma que o gesto da artista é um “apagamento” da identidade afroreligiosa e cobra do Judiciário o mesmo zelo dado aos símbolos das religiões cristãs. Confira a íntegra da entrevista a seguir:
Por que a troca de Iemanjá por Yeshua (nome de Jesus em hebraico) é ofensiva à comunidade negra? Na verdade, não é tanto pela substituição. Se tivesse trocado por Tupã, por Alá, por qualquer outra divindade, inclusive Buda, seria igualmente ofensivo, por conta da supressão de Iemanjá. Estamos falando de uma canção que ficou uma década e meia sendo executada e foi integrada ao patrimônio social da comunidade afroreligiosa. Avaliando a estrofe da música, rigorosamente, não há nenhum sentido nessa troca. A estrofe diz assim: “jogue flores no mar saudando a rainha Iemanjá”. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que não é issível retirar crucifixos de repartições públicas, porque são uma tradição cultural. Quando você suprime Iemanjá da música, você está apagando e eliminando uma tradição cultural. Uma das festas mais importantes de Salvador é a de Iemanjá. Houve uma supressão do Orixá e, eventualmente, a descaracterização do patrimônio cultural. Essa supressão representa um incentivo ao preconceito religioso e à discriminação racial. E ela, Cláudia Leitte, confessou ter mudado por conta da nova religião dela. Com isso, ela ofende a comunidade afroreligiosa.
Como está a representação enviada ao Ministério Público? O senhor crê que ela pode virar uma ação coletiva ou criminal? Amanhã (terça-feira, 4) mesmo os compositores serão ouvidos. Serão duas importantes provas. A primeira é o ECAD, a agência pública que faz o registro da música, dizendo que não houve nenhuma alteração formal. Ou seja, foi uma improvisação da parte da cantora, sem qualquer preocupação em formalizar a mudança. A segunda diz respeito aos compositores. Dois dos quatro compositores já anunciaram ter entrado com uma ação criminal e avisaram no inquérito civil que ingressaram com uma ação indenizatória por violação de direitos autorais. Certamente, com a oitiva deles amanhã, vamos ter um conjunto probatório robusto do meu ponto de vista, que autoriza sim a propositura de uma ação coletiva.
Que tipos de consequências Claudia Leitte pode sofrer com essa ação">Com certeza também terá um valor pecuniário, que vai para um fundo de direitos humanos para recomposição do dano coletivo. Ela teve várias oportunidades para recuar, repensar, refletir, pedir desculpas. A reiteração dela levou a comunidade afreligiosa a concluir que não haveria outra forma de resolver isso, senão judicializar.

Qual é o recado que essa ação do Idafro a para a sociedade">Nós precisamos respeitar o sentimento religioso. O Judiciário tem uma jurisprudência vasta de respeito ao sentimento religioso cristão. Muito vasta. Um caso emblemático: Joãosinho Trinta, um carnavalesco famoso do Rio, tentou, em um desfile da Beija-Flor de Nilópolis, uma das maiores escolas de samba do Rio de Janeiro, colocar um busto do Cristo Redentor, que é um símbolo nacional ali. A Arquidiocese ingressou com uma liminar minutos antes do desfile. A Polícia Militar e a Justiça foram na quadra da escola e o obrigaram a escola a não desfilar. Joãosinho, com a genialidade dele, cobriu o busto de Cristo com uma lona preta e pôs uma faixa, que entrou para a história do Carnaval, dizendo “mesmo proibido, olhai por nós”. Recentemente, o Judiciário proibiu a exibição de uma peça de teatro, em salas particulares com ingresso pago, porque ela projetava Jesus Cristo como travesti. A Justiça entendeu que isso ofenderia o sentimento religioso cristão, e proibiu. Quando um pastor chutou uma santa, foi processado criminalmente, condenado, nem está mais no Brasil. Queremos que esse mesmo zelo que o Judiciário tem com sentimento religioso cristão seja aplicado à comunidade afroreligiosa.