Namorados: Assine Digital Completo por 5,99
Imagem Blog

Intervenção 403g1b

Por Jerônimo Teixeira Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Crítica da cultura e cultura da crítica. Este conteúdo é exclusivo para s.

O soldado é maior que o escritor, dizia Dom Quixote. Estava certo v682y

Miguel de Cervantes, combatente de Lepanto, pôs na boca de sua criatura célebre um discurso que não se afina com a auto-indulgência de tantos artistas hoje 245i3y

Por Jerônimo Teixeira Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 2 Maio 2017, 17h33 - Publicado em 2 Maio 2017, 17h18

Mark Zuckerberg me põe comovido como o diabo. O bilionário se interessa por todos nós, que usamos sua ubíqua criação. Parece até simpatizar com a minha triste figura: pois todo dia o Facebook diz que se importa com as minhas memórias! E assim, a cada vez que entro na rede social, me vejo constrangido pelas bobagens que postei dois, três, cinco anos atrás. Vez que outra, porém, emerge da memória algorítmica um escrito do qual imodestamente me orgulho. Há pouco, o Face (como se diz informalmente) me lembrou de um post meu sobre um célebre discurso de Dom Quixote. Decidi compartilhá-lo também aqui porque tem algo a ver com o tema do texto que mais teve leitura neste blog: a indulgência de tantos artistas que exaltam seu próprio “papel social”.

O post é de março do ano ado, quando trabalhava em um especial, publicado em VEJA  (edição 2475, de 27 de abril de 2016, p. 84-99), sobre os 400 anos da morte da dupla que configurou a imaginação moderna: Miguel de Cervantes e William Shakespeare. Eu escrevi sobre o bardo inglês; o ensaio sobre o espanhol ficou nas mãos sempre competentes de Sérgio Rodrigues (você pode lê-lo aqui). Recomendo muito os dois livros sobre Cervantes que li então: o ainda inédito no Brasil The Man Who Invented Fiction, interpretação global da obra de Cervantes, do acadêmico americano William Egginton, e Cervantes, cuidadosa biografia do francês Jean Carnavaggio, lançada no Brasil pela editora 34.
Como este é um fórum um tanto mais amplo do que a minha timeline, talvez deva advertir que a última frase daquele post de um ano atrás precisa ser lida com atenção para a linguagem figurada. O leitor entenderá, espero, que não estou propondo uma nova guerra contra o Império Otomano, que, de resto, já não existe.

Sem mais, o texto:
Sempre irei o “discurso das armas e das letras” de Dom Quixote (capítulo XXXVIII do primeiro livro). Agora, lendo a biografia de Cervantes escrita por Jean Carnavaggio e a bela análise de William Egginton em The Man Who Invented Fiction, compreendi melhor o “desengaño” que o autor um herói de guerra que não recebeu de seu rei e de sua pátria o justo reconhecimento expressa ali. As aventuras do Cavaleiro da Triste Figura são terrestres, mas, no seu discurso – à mesa de refeições, em uma estalagem -, ele descreve as agruras de uma batalha naval. A criatura presta tributo ao criador: Dom Quixote está falando de Lepanto, batalha na qual Cervantes lutou com bravura, e da qual saiu ferido, perdendo a mão esquerda (ou, pelo menos, o movimento dessa mão).

A Batalha de Lepanto de Paolo Veronese
A Batalha de Lepanto, de Paolo Veronese (Imagem/Reprodução)

Dom Quixote, embora exalte também o ofício do escritor, confere a palma ao soldado. A vida militar, conclui, é superior à prática artística. Quão distantes estamos, aqui, da indulgente sensibilidade pós-romântica que eleva o Artista acima não só do soldado, mas também do advogado, do taxista, do contador, do engenheiro enfim, do homem comum em geral e da classe média em particular. Que contraste entre Cervantes e seus herdeiros! Todos esses que são entrevistados regularmente nos segundos cadernos (ocasião em que reclamam da falta de reconhecimento do escritor e da literatura em nossa sociedade consumista) e convidados para encontros em balneários chiques e convocados para subscrever abaixo-assinados e homenageados por associações de seus pares e chamados para ocasiões solenes nos palácios e ouvidos atentamente em ciclos de palestras e simpósios e seminários e laboratórios de criação e saraus: o que fizeram para merecer tudo isso?

Continua após a publicidade


Que eu saiba, nenhum deles jamais matou um só turco.

 

Publicidade

Matéria exclusiva para s. Faça seu

Este usuário não possui direito de o neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu

Digital Completo 3n1yv

o ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*
Apenas 5,99/mês*
ESPECIAL NAMORADOS

Revista em Casa + Digital Completo 1k27o

Receba 4 revistas de Veja no mês, além de todos os benefícios do plano Digital Completo (cada edição sai por menos de R$ 9)
A partir de 35,90/mês

*o ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a R$ 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.