‘Proteger a cultura é estratégico’, diz Kleber Mendonça Filho 6s5l1o
Diretor pernambucano fala a VEJA sobre atual fase do cinema brasileiro e os bastidores de 'O Agente Secreto', filme que disputa a Palma de Ouro 62wm

O Agente Secreto, novo filme do diretor pernambucano Kleber Mendonça Filho, é um dos títulos mais bem avaliados dessa edição do Festival de Cannes e pode conquistar a Palma de Ouro no próximo sábado, 24 de maio. Considerado brilhante por críticos veteranos como Peter Bradshaw, do jornal inglês The Guardian, que frequenta Cannes há 25 anos, o thriller ambientado na ditadura traz várias histórias brasileiras, da lenda da perna cabeluda do Recife ao refugiado alfaiate judeu interpretado do ator alemão Udo Kier – que já havia colaborado com Mendonça Filho em Bacurau.
A vitória reforçaria o bom momento vivido pelo cinema brasileiro, que em fevereiro levou o Urso de Prata no Festival de Berlim e em março conquistou o Oscar de melhor filme estrangeiro. Para sustentar o cenário positivo, no entanto, é preciso reorganizar a indústria brasileira em torno da nova realidade dos streamings. “É fundamental que as plataformas de streaming contribuam financeiramente para o setor audiovisual brasileiro, como já ocorre na França e em outros países europeus, ajudando na construção de novas salas, restauração de acervos e visibilidade para a produção nacional”, disse Kleber Mendonça Filho a VEJA.
Confira abaixo trechos da entrevista sobre cinema, o papel da crítica cinematográfica e o cenário da indústria audiovisual brasileira. O filme deve chegar aos cinemas brasileiros no segundo semestre deste ano.
Como você pensou o roteiro para criar essa história permeada de histórias, da perna cabeluda a personagens expatriados? O roteiro é sempre a parte mais difícil ao fazer um filme. Estou agora saindo de O Agente Secreto já pensando no próximo. Queria achar um colega roteirista que escrevesse por mim. Mas, quando engreno, sinto que ele começa a se escrever sozinho. É como escrever uma boa carta, acho que isso acontece com o jornalista também. Se você escreve algo que é muito importante para você, a matéria, a crônica, a crítica se escreve sozinha.
E sobre a pluralidade de personagens. Queria fazer um filme que mostrasse a diversidade de biotipos físicos do Brasil. Queria fotografar isso. Na cena em que as pessoas estão esperando pela carteira de identidade, o quadro inteiro é cheio de rostos. Mulher, homem, branco, preto, indígenas, alto, gordo, magro. O filme vai se desenvolvendo a partir de situações que aprovo. Cheguei a escrever a cena final do protagonista, mas não tinha o menor interesse em filmá-la. Achei que seria mais interessante a informação vir dos arquivos. Até do ponto de vista da ideia do filme, os arquivos informam o que aconteceu.
Você começou sua carreira como crítico, inclusive aqui em Cannes. Como avalia essa dupla identidade? Tenho uma relação muito saudável com meu ado como crítico. Foram anos importantes para mim, mas cheguei a um ponto de exaustão ao filmar “O Som ao Redor”. No Brasil, um crítico apaixonado precisa opinar sobre tudo, o tempo todo. Isso me cansou. O maior benefício de deixar a crítica foi me livrar dessa obrigação de ter uma opinião imediata sobre qualquer filme. Por outro lado, aprendi muito sobre cinema, escrevendo sobre cinema porque era um pensamento aplicado e obrigatório. Aprendi a escrever e pensar rápido, e me aprofundar na ideia de um filme.
O próprio cinema é um personagem. Qual a importância de ter o filme no cinema, e o que você pensa sobre o que está acontecendo no streaming, inclusive com a ausência de filmes brasileiros? O streaming é sensacional, mas não é bom pensar que ele substituirá o cinema tradicional. Meu filme terá uma carreira nas salas antes de ir para o streaming. Precisamos organizar a indústria brasileira em torno dessa nova realidade. É fundamental que as plataformas de streaming contribuam financeiramente para o setor audiovisual brasileiro, como já ocorre na França e em outros países europeus, ajudando na construção de novas salas, restauração de acervos e visibilidade para a produção nacional. O Congresso precisa entender que proteger a cultura é tão estratégico quanto proteger recursos naturais, como soja ou petróleo.
Como avalia o momento do cinema brasileiro? Antes da pandemia, vivíamos um bom momento, com Bacurau e A Vida Invisível em Cannes e diversos filmes em Berlim. O desmonte do Ministério da Cultura e as dificuldades dos programas de iniciativa prejudicaram bastante, mas agora estamos retomando. Ainda Estou Aqui, por exemplo, foi um fenômeno, alcançando 4 milhões de espectadores. O cineasta brasileiro Gabriel Mascaro levou o Urso de Prata em Berlim, e O Agente Secreto, foi bem recebido aqui em Cannes. A produção brasileira vai bem, mas temos problemas crônicos de distribuição, falta de salas e necessidade urgente de formação de público. Precisamos de políticas públicas como as que existem na França, que são essenciais para fortalecer a cultura cinematográfica nacional.