O quarto do pânico: quando a gordura invade o corpo 323j27
Colunista traça paralelo entre o organismo e uma residência para mostrar os perigos do excesso de gordura em vários cantos 266q2d

Na trilha de Hollywood, uma mulher recém-separada com uma filha, portadora de diabetes, se muda para uma casa grande que possui um quarto do pânico, idealizado para se abrigar e estar seguro em caso de invasão.
É enredo de filme, mas o nosso corpo (que eu também chamo de “casa”) apresenta diversos cômodos e algumas estruturas para lidar com problemas. A suíte máster é o nosso cérebro, onde controlamos funções vitais, guardamos as memórias e gerenciamos as emoções, bem como os mecanismos de fome e saciedade.
As janelas são nossos pulmões, sempre abertos para oxigenar o lar. A sala de bombas, o coração, é quem permite que os suprimentos circulem pela residência. Também temos filtros, como o fígado e os rins, e uma rede de encanamentos, os vasos e os nervos, que conectam tudo.
Por fim, há a cozinha, representada pelo estômago e os intestinos. As colunas de sustentação, forjadas por nossos ossos e músculos. E, não podia faltar, a dispensa, o tecido adiposo, um conjunto de células de gordura que, mais do que atuar como reserva de energia, produz uma série de hormônios e substâncias, que podem ser benéficos ou maléficos.
Assim como uma moradia, o cuidado com a segurança – nesse caso, alimentar, física e mental – deve ser diário, pois elementos estranhos e perigosos podem entrar na casa e se alojar em diversos lugares. A gordura, por exemplo, é sabidamente um invasor que trará consequências, a depender de sua localização e quantidade.
Em um ado distante imaginava-se que ela era somente uma fonte de energia, mas sabemos hoje que ela funciona também como um órgão endócrino, produzindo substâncias para o bom ou mau funcionamento da casa.
A localização da gordura seguirá em muitos organismos os nossos traços genéticos, e isso não é culpa nossa. Quando temos tendência que ela vá para o compartimento visceral, ou seja, se acumule dentro do abdômen, os alarmes irão disparar e temos que correr para o quarto do pânico, onde teremos médicos, profissionais de saúde e orientações para sobreviver.
Assim como no filme, esses bandidos viscerais invadirão todos os cômodos, roubando o que puderem da saúde de cada local. O aumento progressivo desses maus elementos irá fazer com que pressionem a parede dos outros cômodos da casa. O pulmão diminuirá de tamanho e não conseguirá se expandir adequadamente, pois uma de suas paredes (o diafragma) será comprimida, bloqueando a abertura de algumas de suas janelas.
Da mesma forma, os canos do abdômen serão bloqueados pelo peso da gordura sobre eles, dificultando que o sangue volte do subsolo (pernas) para a casa de bombas, se acumulando e levando a inchaços, dores, escurecimento da pele e até tromboses.
O excesso de gordura nos vasos levará à obstrução do nosso encanamento, culminando em ataques como infartos e derrames. A bomba principal pode pifar, pois com os canos bloqueados pela compressão ou entupidos pelo acúmulo de gordura, o sangue deixará de fluir e sobrecarregará o músculo cardíaco.
No quarto do fígado, o grande fluxo desses criminosos levará a uma inflamação crônica, podendo evoluir para cirrose.
Para que a insulina guarde a glicose dentro das células – e isso garanta a manutenção da casa toda -, é necessário a transmissão de um sinal químico para que uma porta se abra e a glicose entre. O aumento da gordura visceral produz substâncias inflamatórias que bloqueiam esse sinal. Daí a glicose não entra, o pâncreas é avisado, manda mais insulina, mas, como há uma resistência ao hormônio os dois ficam do lado de fora.
Resultado: o encanamento fica cheio de insulina e glicose e o pâncreas começa a cansar. Essa gangue é conhecida como diabetes.
A suíte máster, quando invadida, pode levar à morte de neurônios e a uma dificuldade no controle da fome e saciedade. Quanto mais tempo de obesidade, mais danos ela sofrerá.
Então, quando estamos presos nessa residência, invadida por gorduras do mal, devemos o mais breve possível correr para o quarto do pânico. Lá, teremos ajuda e a possibilidade de nos salvar. Mas, se não seguirmos as instruções ou demorarmos para procurá-lo, poderemos perder boa parte da nossa casa – ou ela toda.