Geleião criou o PCC, delatou Marcola e, jurado de morte, morreu de Covid 2464l
Preso desde os 18 anos e morto aos 60, José Márcio Felício era o único fundador da facção criminosa que estava vivo e foi o delator número 1 do grupo b2v6c

Morreu nesta segunda-feira, dia 10, José Márcio Felício, mais conhecido como Geleião, o único fundador do Primeiro Comando da Capital (PCC) que ainda continuava vivo e delator número 1 da facção criminosa. Jurado de morte há mais de 20 anos pela fama de “alcaguete”, ele conseguiu sobreviver por todo esse tempo porque estava encarcerado no “seguro”, ala de presídio reservada a criminosos sexuais onde a organização não tem filiados. Se escapou da sentença de morte do grupo criminoso que ajudou a criar, não teve a mesma sorte com a Covid-19, doença da qual ele estava se tratando desde o início de abril.
Geleião ou 42 dos seus 60 anos de vida atrás das grades — ele cumpria pena de mais de 142 anos de prisão por uma lista de crimes que incluía homicídios, formação de quadrilha, estupro e roubo. Quando ele foi preso, em 1979, o país ainda vivia sob a ditadura militar. Ele participou ativamente da criação da facção, que nasceu de dentro do sistema penitenciário de São Paulo — inicialmente como um time de futebol para disputar o campeonato no antigo presídio de Taubaté, o “Piranhão’, até se tornar uma espécie de “sindicato do crime” capaz de promover rebeliões e ataques em série.
“O Marcola de ontem”: foi assim que o hoje delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo, Ruy Ferraz Fontes, definiu Geleião na I do Tráfico de Armas, realizada em 2005, em referência ao atual líder da facção hoje, Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola. A Geleião é atribuído o chamado “assassinato fundador” da facção, quando, durante uma briga por causa de futebol no presídio, ele matou um inimigo torcendo o pescoço com as mãos — foi pela violência, aliás, que o PCC impôs o seu domínio nas penitenciárias do Brasil afora.
Para assumir o comando da organização criminosa, Marcola, que se encontra preso na penitenciária federal de Brasília cumprindo mais de 300 anos de pena, e seu grupo precisaram ar por cima dos antigos chefões: dos oito fundadores, só Geleião continuava vivo, graças ao seu acordo com as autoridades policiais. Foi ele quem narrou à polícia como surgiu a facção criminosa (“o PCC nasceu da minha cabeça, da minha ideia”), quem eram as principais lideranças e como ela se financiava e organizava por meio de células (“o piloto [do presídio] comanda aqueles que são chamados soldados”). Geleião e Marcola romperam em 2002 após o assassinato da advogada Ana Olivatto, mulher de Marcola, que havia sido “decretada” (jurada de morte) pela cúpula do PCC por supostamente ar informações à polícia. “Essa ordem não tinha sido dada da minha parte, mas houve a ordem realmente”, relatou Geleião na I da Câmara dos Deputados.
Na mesma comissão, Marcola deu outra versão: contou que se afastou de Geleião porque ele era “muito radical” e “ia acabar levando a nós todos para uma situação muito ruim”. Segundo investigações da Polícia Civil, o fundador do PCC planejou um ataque com um carro-bomba à Bolsa de Valores de São Paulo, em 2002, que acabou não se concretizando — na época, foi encontrado um veículo com detonadores e explosivos abandonados numa rodovia paulista. “Ele queria atentados terroristas e eu era totalmente contra”, disse Marcola.
Com a queda de Geleião, Marcola e seu grupo assumiram o comando e transformaram o então “sindicato do crime” numa empresa transnacional de tráfico de drogas — vizinho de países produtores de cocaína, o Brasil é considerado hoje um dos maiores corredores de entorpecentes do mundo.
Após a perder a guerra interna, Geleião ainda chegou a fundar uma outra facção, o Terceiro Comando da Capital, com César Roriz Silva, o Cesinha, outro fundador, para disputar a influência com o PCC. A ideia não vingou. Cesinha foi assassinado por golpes de uma lança feita de madeira em 2006, e o grupo foi sufocado pela facção original.
O primeiro crime que levou Geleião para a prisão foi a acusação de roubar e estuprar uma estudante na Zona Norte de São Paulo junto com outro homem — ele se defendia dizendo que a jovem foi violentada pelo comparsa. Em tese, o código de conduta do PCC não tolera crime sexual. Na ocasião, ele tinha 18 anos. Desde então, só deixou o presídio poucas vezes para encontrar a esposa como benefício pela delação premiada. Agora, deixa a prisão em definitivo vítima de complicações causadas pelo novo coronavírus.